quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Butterfly fly away



Era uma simples quarta-feira. Tinha tudo para ser um dia normal, sem programações, sem nada para fazer. Mas meus planos de ficar o dia todo debaixo das cobertas na frente do computador foram frustrados. Ele me ligou, disse que precisava conversar comigo. Ele sabia, eu tinha que abrir o jogo com ele.

Não vou mentir e dizer que não fiquei ansiosa para vê-lo. Quase não dormi naquela noite. No dia seguinte acordei com meu celular vibrando: mensagem dele. Li, me arrepiei, e logo voltei a dormir. Não queria encarar o problema. Preferia deixar tudo como está, mas isso não era mais possível. Tudo mudou.

Arrumei as coisas, passei pouquíssima maquiagem - apenas para esconder as olheiras de uma noite mal dormida - e peguei o ônibus. Não sabia o que falar, não queria falar. Tinha medo de como as coisas ficariam depois dessa conversa. Ele se afastaria de mim? Ele me acharia uma interesseira egoísta? Me culparia pelos seus problemas com ela? Eu me culpo, sempre me culpei.

Meu bolso vibrou. Outra mensagem dele, perguntando se eu ia mesmo. Respondi que estava a caminho. Novamente o celular vibra, junto com meu coração. Ele já estava indo para o lugar combinado.

Perdida nos meus pensamentos, me assustei ao ver meu ponto se aproximando. Desci e fui quase correndo para a lanchonete. Ele não havia chegado ainda. Eu tremia. Pedi uma coca no caixa, quase não ouvi o que a mulher falou, dei logo o dinheiro e peguei a latinha. Fui me assentar na mesa mais ao fundo, perto das plantas. Gosto de plantas, elas me acalmam.

Um, dois, cinco, dez minutos se passaram e nada dele aparecer. Peguei meu celular e comecei a digitar uma mensagem: você vem mesmo ou se perdeu no caminho? Quando ia apertar o botão enviar, ele apareceu com seu sorriso caloroso e um olhar animado. Ele fica tão bem de azul... Me cumprimentou com um toquinho de mão. Eu sabia, nada de aproximações perigosas.

Se sentou na cadeira oposta a minha. Ofereci uma coca, ele recusou. Falamos um pouco sobre o tempo, sobre problemas banais, sobre futebol... Então ele finalmente entrou no assunto que eu torcia para que ele se esquecesse.

- Ok, pode ir falando.

Me senti numa sala escura, amarrada na cadeira, com uma luz branca na minha cara. Imaginei ele falando "tudo o que disser poderá ser usado contra você no tribunal". Minhas mãos suavam e eu sentia que minha pressão baixava. Eu tenho direito a um advogado!

- Não sei por onde começar... Começe você.

Ele olhou nos meus olhos - odeio quando ele faz isso. Se eu não estivesse sentada, com certeza já teria caído desmaiada no chão. Então ele começou a falar. Ele falou tudo, contou tudo que aconteceu nesses últimos dois anos, me lembrou de coisas que eu até havia esquecido. Ele falou de toda a história romântica dele e dela. Descobri detalhes que eu não sabia. Descobri que era recíproco - isso me matou. Ele falou do problema que envolveu minhas amigas. Falou como ele reagiu a isso, falou como ela reagiu a isso. E então ele finalmente chegou ao ponto:

- Você também estava envolvida, não?
- Estava.
- Mais do que superficialmente, como eu pensava.
- Sim.
- E o que você tem a dizer sobre isso?

Então eu abri o jogo. Ele já sabia mesmo. Contei quando meu sentimento por ele começou, falei como reagi ao problema, admiti que fora eu que começara tudo, assumi a culpa. Mas afirmei que, em momento algum, eu me aproximei dele por interesses pessoais. E, em momento algum, eu quis atrapalhar seu relacionamento com ela. Jamais. E falei, por fim, que eu passei a me esquecer para tentar esquecê-lo.

- Você não merece isso tudo. Você pensou mais em mim do que em você - ele disse, abismado.
- Eu sei, eu aprendi a deixar minha felicidade de lado para que outros pudessem ser feliz. Meu erro foi ter pensado que você não era feliz com ela. Hoje vejo que me enganei.
- Você tem que parar de ignorar o que você sente. Claro que agir pela emoção é a pior coisa que existe. Mas seus sentimentos são importantes. E se eu me importo com eles, quem dirá Deus.
- Eu desisto. De verdade, não quero mais isso pra mim. Pode dar certo para os outros, pra você, pra ela... Mas não pra mim. Eu desisti disso, me aposentei do amor.
- Cedo ou tarde você vai receber mais uma oferta de emprego, assim como aconteceu comigo.

Eu sabia que isso não ia acontecer. Não há vagas para mim.

O que mais doía era reconhecer que ele a amava, e ela o amava. E por um momento eu ainda pensei que eu seria o melhor para ele. Como sou ridícula. Como sou indigna de tê-lo, até mesmo como amigo. E ele ainda se preocupava comigo, depois de todos os problemas que causei a ele...

- Bem, fico feliz por saber que a sua amizade era verdadeira. Por algum tempo você acabou se tornando minha melhor amiga. Hoje as coisas com ela voltaram ao normal e ela voltou a ser minha melhor amiga. Mas eu não quero que minha amizade com você acabe.
- Se depender de mim, não vai acabar. Achei até estranho você não parar de falar comigo depois de descobrir isso, pensei que você nem valorizasse nossa amizade.
- Eu valorizo, e muito! Você me ajudou tanto quando eu precisei, e eu me identifiquei muito com você. Afinal, você é igual a mim.
- O que mais me preocupava era pensar que eu podia perder a sua amizade. Você acabou se tornando um irmão pra mim.
- Nada entre nós vai mudar depois disso.
- Mas já mudou.
- Não. Eu só não vou mais te contar alguns detalhes, porque isso ia ser cruel com você. Hoje fico pensando em todas as vezes que eu fiquei falando dela no telefone com você. Você devia sofrer tanto com isso...
- Bem, isso me ajudava a abrir os olhos e ver que eu não tinha chance.
- Eu não vou mais fazer isso. Você não merece nada disso que você passou.

Olhei para minhas unhas, vi o estado em que elas se encontravam. Durante essas três horas de conversa eu havia descascado todo o meu esmalte e elas estavam deploráveis. Assim como o meu coração. Descascado, roído, destruído.

Falamos mais algumas coisas, esclarecemos tudo, ele me perdoou por tudo... Afinal, ele me entende. Enfim, a conversa terminou. Era hora de ir pra casa. Não havia mais segredos entre nós. Pelo menos não por minha parte.

Ele se levantou, eu tambem.

- Então, foi bom conversar com você. Agora sua consciência está limpa? - ele disse, sorrindo
- Acho que sim.

Já ia sair dali quando ele abriu os braços. Ele nunca havia me abraçado, no máximo dado um beijo no meu rosto, mas nenhum contato maior que esse. Eu olhei para ele, para os seus olhos castanhos que me lembram chocolate-quente da starbucks. Olhos que um dia já me fizeram tão bem...

Então eu abri meus braços e o abracei. Era tão... confortável. Seus ombros largos em torno de mim me davam uma sensação de segurança. Mas ao mesmo tempo era macio. Aconchegante. Respirei ao máximo seu perfume, me intoxicando com aquele maldito veneno. Era tão doce.

Logo, aquelas malditas borboletas no estômago voltaram. Me afastei dele, sorri e saí de lá sem olhar pra trás. Atravessei a rua e pisei na praça. Não aguentei e virei meu rosto, a tempo de vê-lo virar a esquina com seu caminhar descontraído. Eu o amava, mas precisava matar aquelas borboletas. Cada uma delas. Arrancar suas asas, despedaçá-las. Depois queimá-las até não restar mais nada. Subi no ônibus decidida a fazer isso.

Cheguei em casa, ainda alheia ao mundo. Alguem havia acabado de estourar a minha bolha de sonhos e falsas esperanças. Era hora de encarar a dura realidade. O que eu iria fazer? Escrever.

E é o que eu estou fazendo agora. A única coisa que me resta fazer. Gostaria de mudar todos os textos que eu escrevi até agora. Afinal, tudo mudou.

Mas é mais fácil escrever um texto novo do que tentar reescrever os antigos.

Bem, e essa sou eu terminando mais um ano sozinha. Quem sabe em 2011, em uma página em branco, alguem não resolva escrever uma nova história? Talvez um dia isso aconteça, quando eu terminar de juntar os cacos e encontre novamente a capacidade de sonhar.

(Pepper)

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