quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

That's all I need



Assim que entreguei as moedas ao trocador, o ônibus acelerou, quase me jogando em cima do velho sentado no banco atrás de mim. Passei pela roleta e me assentei na cadeira alta perto da janela - meu lugar preferido. A chuva caía nos vidros e algumas gotas me molhavam. Ao olhar para o lado de fora me deparei com um engarrafamento terrível no centro. Não me estressava. Eu estava naquele estado infindamente entediado há quase um ano, e nada parecia divertir-me. Tirei os fones da minha bolsa e coloquei qualquer coisa para tocar. John Mayer era a trilha sonora, e com certeza ajudava a livrar do tédio. Eu cantarolava a música:

I'm perfectly lonely (Yeah)
'Cause I don't belong to anyone
Nobody belongs to me

As batidas no banco da frente de acordo com a melodia eram inevitáveis. Quem quer que me olhasse de longe jamais cogitaria uma garota destruída por dentro. O ano já chegava ao fim e eu ainda estava sozinha, como sempre. A solidão me persegue. Já sentindo possíveis lágrimas brotarem em meus olhos, ergui a cabeça, como se as tivesse engolindo. Solitária sim, mas eu não me conformaria em ser triste. Não me conformo e nem devia.

Quando se é adolescente, as coisas são fáceis. É só sentir o coração bater mais forte por algum garoto e pronto, é como se a vida mudasse. Mas com o passar do tempo você percebe que não é só isso, a vida não se baseava apenas nisso. O amor é muito mais do que o mero ato de se apaixonar.

Nunca, em toda minha vida, eu havia conseguido me sentir tão fora de curso, tão em dúvida em relação a tudo. Uma hora eu o odiava, o amaldiçoava por ter tornado minha vida aquela bagunça. Mas depois, era como se algo viesse e levasse tudo embora. Eu precisava daquela droga, daquele homem. Tudo nele me atraía, os olhos sinceros, o sorriso lindo, o jeito desengonçado de andar, seus comentários e trocadilhos toscos... Eu necessitava dele, de qualquer jeito.

Sacudi minha cabeça, tentando dispersar aqueles pensamentos. Não, eu não tinha a menor chance com ele. Seu coração já pertencia a outra. Eu não queria ficar com raiva de Deus. Ele sabe o que faz.

Meu ponto se aproximava e eu dei sinal para o ônibus parar. Desliguei o Ipod e desci na calçada. Caminhei alguns metros e entrei na lanchonete. Logo, meu olhar se encontrou com o dele, que estava sentado numa mesa ao fundo. Ele sorriu torto, fazendo-me relaxar completamente. Podia sentir meu corpo arrepiar-se, provocando um espasmo estranho, uma contração involuntária de meus músculos. Nunca vi sorrisos como aquele, capazes de mover músculos alheios, de relaxar, descontrair, apaixonar...

Dei mais alguns passos e ele se levantou e me deu um abraço apertado. Me assustei com esse gesto. Não que eu achasse que ele sofria de algum transtorno bipolar, mas suas atitudes não eram nem de longe previsíveis. Muito pelo contrário, cada dia eu me surpreendia mais com algo que ele falava ou fazia. Ignorando todas as coisas ruins, uma chama de esperança não se apagava dentro de mim. Ela enfraquecia, mas não perdia seu calor.

Nos sentamos e ficamos conversando coisas banais. Eu não aguentava olhar em seus olhos. Era fraca, sabia o efeito que eles tinham sobre mim. Por isso mantinha os meus abaixados, seguros. De repente ele levantou meu rosto com uma de suas mãos e eu o olhei. Malditos calafrios, estilhaçam a sanidade e células nervosas.

- O que você tem? Não olhou pra mim nem uma vez desde que chegou. Eu sou tão feio assim?

Dei uma risada tímida e desviei o olhar de novo, suspirando. Um silêncio se instalou entre nós, e ele me encarava.

- O que você está pensando agora? - Ele disse, calmo
- Não sei mais o que pensar.
- Então não pense. Faça.
- Esse é o problema. Não posso fazer nada. A situação é pior do que parece.
- Nada é pior do que parece.
- Você não sabe o que eu estou passando.
- Se você me dissesse o que é, eu poderia te ajudar.

Dessa vez eu o encarei, séria. Queria poder dizer: você não pode me ajudar porque você é o problema. Mas no fundo eu sabia que ele era a solução. Então eu não disse nada, apenas sustentei seu olhar. Ficamos nos encarando por quase três minutos. Um tentando entender o que se passava na mente do outro. Não eram necessárias palavras. Apenas um gesto valia mais que um discurso inteiro.

E então ele fez um gesto que me surpreendeu.

Ele se inclinou por cima da mesa e seus lábios tocaram levemente os meus. Meu coração deu um salto e eu perdi completamente o ar e a noção de tempo/espaço. Foi muito rápido e eu demorei um bom tempo para assimilar as idéias. Ele se afastou e sorriu.

Um sorriso que eu nunca tinha visto antes.

Continua...

(Pepper)

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